Esta semana estamos com hóspede em casa. O Gustavo chegou aqui no domingo à noite, depois de uma longa viagem, vindo de Dubai. Da capital dos Emirados Árabes até Sao Paulo sao 15 horas de voo. Desde setembro, ele mora no Paquistao. Isso mesmo, Paquistao, aquela república islâmica no sul da Ásia que faz fronteira com o Afeganistao, com o Ira, China e India e é considerado um dos países mais perigosos do mundo. Explico: ele é diplomata.

Os motivos da periculosidade paquistanesa vao além de o país, alegadamente, servir de base para terroristas islâmicos fugidos do Afeganistao. O país é uma potência nuclear com dezenas de bombas atômicas que podem ser usadas numa guerra com a Índia - o segundo país mais populoso do mundo, com mais de um bilhao de pessoas. Os problemas do Paquistao com a Índia vêm de longa data.
O Paquistao nasceu com o fim do dominio colonial na India, em 1947. Os britânicos voltaram para casa por causa da intensificaçao dos conflitos entre muçulmanos e hindus. O jeito encontrado pelos colonizadores foi aprovar a partilha do território em dois estados: um de maioria hindu (a Índia) e outro de maioria muçulmana (o Paquistao). No entanto, a separaçao até hoje gera problemas. E aí é preciso voltar na história mais uma vez para entender. No primeiro momento, o Paquistao era formado por duas regioes separadas por 1.600 quilômetros de território indiano: havia o Paquistao e o Paquistao Oriental. Até que os separatistas da parte oriental, apoiado pelos hindus, conseguiram a independência da regiao em 1971, formando o que hoje é Bangladesh.
A nova pedra no caminho das boas relaçoes entre Índia e Paquistao é a regiao de Caxemira, no norte da Índia.

A Caxemira vem sendo disputada pelos dois países desde a saída dos britânicos. Na época, a ONU determinou que o destino da regiao, de maioria muçulmana, fosse decidido num plebiscito, mas o que aconteceu foi uma guerra entre os dois países que terminou dividindo a Caxemira em 1/3 para o Paquistao e 2/3 para a India. Nao foi o fim dos problemas. Os separatistas que vivem na parte indiana seguem a lutar pela independencia e a Índia acusa o Paquistao de apoiá-los. Os dois países quase chegaram à guerra total em 1999, mas as tropas paquistanesas, que haviam invadido o território, recuaram. Foi esse recuo que levou o atual presidente paquistanês Pervez Musharaf ao poder. Ele deu um golpe de estado que derrubou o governo de Nawaz Sharif, desmoralizado ante denúncias de corrupçao.

Outro problema do Paquistao é o conflito interno entre uma classe média moderna que pede mais transparência ao governo ditatorial e radicais islâmicos que gostariam de um regime teocrático ao estilo Taliban, sob as leis mais estritas da Sharia. A maioria da populaçao paquistanesa (a sexta maior do mundo depois do Brasil, com 165 milhoes de habitantes) é de muçulmanos.
Recentemente, a tensao política levou ao assassinato da ex-primeira-ministra e líder da oposiçao Benazir Bhutto. Isso foi em janeiro deste ano. Benazir Bhutto havia voltado ao Paquistao depois de um autoexílio de 8 anos, provocado por denúncias de corrupçao. Ela fez um acordo com o governo de Musharaf e voltou para concorrer novamente à chefia do governo. Benazir Butho foi a primeira mulher a chefiar um governo islâmico e fez isso por dois mandatos (de 88 a 90 e de 93 a 96). Voltou ao país em outubro e escapou de um atentado logo em seguida. A mesma sorte nao teve em janeiro: quando saía de um comício, foi morta num atentado suicida perto de Islamabad, junto a outras 20 pessoas. O cargo de primeiro-ministro foi assumido por Yusuf Raza, do mesmo partido de Bhutto, o PPP, Partido do Povo Paquistanês.

O Paquistao vem recebendo ajuda financeira dos Estados Unidos desde o 11 de setembro, pela cooperaçao na luta contra o terrorismo. A economia vem crescendo e atraindo investimentos estrangeiros, mas o dinheiro é pouco para solucionar tantos problemas no país, que tem como capital Islamabad e como principais cidades Karachi, Lahore e Faisalabad. A agricultura é a principal atividade econômica do Paquistao (27% do PIB), um dos maiores produtores de algodao do mundo. Mas a pobreza está por toda parte. 2/3 da populaçao adulta é analfabeta.

Somado a isso, está o problema do clima de invernos rigorosos e veroes de temperaturas que chegam aos 45 graus. Vale lembrar que o abastecimento de gás para calefaçao é precário e somente 1/3 da populaçao tem acesso a água potável.
Para um estrangeiro, as dificuldades sao indescritíveis. Para citar uma delas, está o fato de viver num país islâmico, onde os códigos de conduta sao totalmente diferentes aos nossos. Bebida alcoólica e carne de porco, nem pensar. Dois beijinhos, muito menos. Só uma coisa ajuda: a língua oficial do país é o inglês. É no idioma que está escrita a constituiçao do país e é nele em que se comunica a elite paquistanesa. Só a elite. Porque a maioria fala mesmo é urdu. Alwiddah!